Fases da obra
Os romances e o tempo
As três fases aqui propostas correspondem a diferentes momentos de “ocupação” do espaço e de relacionamento entre esse e o tempo histórico-ficcional na arquinarrativa alencariana. Os principais cenários dos romances foram localizados em mapas que distinguem as narrativas com enredo contemporâneo à época de sua publicação daquelas com ação no passado, de modo a permitir a visualização, em cada período, das relações entre espaço e tempo histórico do conjunto. Além dos mapas, cada parte traz um link que remete ao Google Maps.
Mapa 1
1856 a 1866 - de Cinco minutos ao último volume de As minas de prata
Nesta fase, destaca-se a centralidade do Rio de Janeiro, que concentra a ação de quatro romances (Cinco minutos, A viuvinha, Lucíola e Diva), todos com ação contemporânea à vida de Alencar. O guarani, romance histórico, cuja trama desenvolve-se mais de duzentos anos no passado, acontece fora da cidade, em uma zona de fronteira povoada de "índios bravios". As minas de prata, também com trama no início do século XVII, centraliza-se em Salvador da Bahia, como um duplo colonial do Rio de Janeiro. Finalmente, Iracema, com ação naquela mesma época distante, situa-se ainda mais ao norte, nas terras do Ceará, e representa um momento inaugural da brasilidade. Não por acaso, portanto, o autor foi colocá-la nas terras onde ele mesmo nascera.
Observa-se, nessa etapa da obra alencariana, uma clara organização espaço-temporal. O Rio de Janeiro, porta de entrada das novidades europeias, corresponde ao momento presente, o século XIX do escritor. As demais localidades, a um tempo recuado, quando o país em gestação começava a viver mais fortemente os confrontos entre os povos nativos e os invasores.
Mapa 2
1870 a 1873 - de O gaúcho ao segundo volume de Guerra dos mascates
Há, nesse conjunto, dois romances com enredo contemporâneo ao período em que Alencar escreve, ambos com a ação principal situada no Rio de Janeiro (A pata da gazela e Sonhos d'ouro); um romance histórico cuja ação se passa no início do século XVIII, em Pernambuco (o primeiro volume de Guerra dos mascates); finalmente, todo o conjunto ficcional que o escritor apresenta em "Bênção paterna" como criações centradas em locais “onde não se propaga com rapidez a luz da civilização” (O gaúcho, O tronco do ipê e Til), narrativas situadas no Sudeste e no Sul do país, com trama em um passado intermediário, entre quarenta e cinco e vinte anos antes da publicação de cada um deles.
Mais uma vez, nesse grupo, o afastamento geográfico em relação à corte corresponde a um mergulho no passado. Olhados em conjunto, os livros dessa fase parecem completar um círculo: partem do Rio no tempo presente, passam por regiões do interior brasileiro em uma época não muito remota, com uma escapada ao passado colonial em um lugar ainda mais distante, no Nordeste, para finalmente retornarem à Corte em um presente profundamente marcado pela urgência e pelas novidades.
Mapa 3
!873 a 1877 - de Alfarrábios a Encarnação
Até então, a capital do Império aparecera como a terra da atualidade, com o escritor a direcionar a outras plagas suas incursões ao passado. Ubirajara, com ação nos tempos pré-cabralinos e nas distantes terras entre os rios Araguaia e Tocantins, além do segundo volume de Guerra dos mascates e de O sertanejo, situados ambos no Pernambuco do século XVIII, mantêm o mesmo esquema espaço-temporal das fases anteriores. O mesmo acontece com Senhora e o póstumo Encarnação , centrados no Rio de Janeiro e no tempo presente do escritor. Alfarrábios, contudo, veio inovar essa prática. A coletânea de narrativas acontecidas no Brasil Colônia, situa uma delas em Olinda ("A alma do lázaro"), mas as outras duas ("O garatuja" e "O ermitão da Glória") acontecem principalmente no Rio de Janeiro.
Ao ter seu passado recuperado pela ficção, o Rio torna-se como um fractal do país, a encenar nos limites de sua geografia movimentos históricos mais amplos. Com a chegada de Alfarrabios, apenas a capital do Império passa a percorrer, na ficção alencariana, praticamente todos os momentos desde que os portugueses chegaram ao país novo, como se a cidade fosse uma representação de todo o país.